A canábis medicinal esteve no centro do debate promovido no IPO de Lisboa, ação com objetivo de esclarecer profissionais da comunidade médica acerca do uso de canabinóides, sendo os mais conhecidos CBD e THC.

João Goulão, director geral do Serviço de Intervenção nos Comportamento Aditivos e nas Dependências (SICAD) foi um dos palestrantes presentes e que mostrou diversas reservas. Para João Goulão, a investigação acerca de canabinóides em Portugal é praticamente inexistente e aponta o dedo à investigação internacional como não sendo confiável.

Segundo notícia do jornal Público, João Goulão afirmou à Lusa que “na literatura internacional encontramos tudo para todos os gostos”, e que esta é uma área na qual existe “mais viés ocasionados por pontos de partida ideológicos diferentes”.

Os médicos corroboram a opinião do representante do SICAD e afirmam que é necessária mais investigação, formação e informação.

Na sua exposição, João Goulão afirmou que deve ser o Infarmed e a Ordem dos Médicos a controlarem a matéria em questões de informação e formação na prescrição de produtos de canábis medicinal.

Lúcia Monteiro, directora da Unidade de Psiquiatria do IPO Lisboa, moderou o debate e, segundo o Público, diz que os psiquiatras têm “alguma resistência a sentir que a canábis é inofensiva ou que até pode ser terapêutica”.

O hematologista do IPO levou dados que apoiam os canabinóides como alternativa terapêutica

O facto de existirem, até à data, mais de 6400 trabalhos acerca de canabinóides e canabidiol publicados no site Pubmed ou a Organização Mundial de Saúde ter declarado que o canabidiol é uma substância segura e com potencial terapêutico, não parecem ser razões para haver maior abertura junto de muitos profissionais da comunidade médica.

Canábis terapêutica: controlo igual ao dos medicamentos

Cláudia Armada, Coordenadora da Clínica da Dor daquele hospital, também manifestou preocupações relativamente à segurança dos produtos de canábis medicinal.

Também em declarações à Lusa e segundo a mesma notícia, a médica dedicada ao campo da Dor afirma: “o que sinto é que ainda não está completamente esclarecido como vamos fazer isto de forma segura porque quando nós damos um opióide, uma morfina, sabemos os riscos que corremos”.

Cláudia Armada quer mais segurança nos produtos para prescrever e afirma que a legalização da cannabis medicinal foi prematura: “parece-me que se legalizou antes de haver algo para legalizar”.

Esta profissional de saúde diz que não tem nada quanto à utilização destes produtos mas que têm que passar pelo mesmo controlo que os medicamentos convencionais.

Para muitos médicos, os canabinóides têm que passar pelos mesmos processos dos medicamentos convencionais

Deste encontro ficou patente que, para muitos médicos, a informação que chega de estudos internacionais e que é tida em consideração noutros países, não é suficiente nem fidedigna.

Quem esteve presente no debate não ficou propriamente mais esclarecido. Apesar da subjacente abertura ao tema e preocupação no que respeita a canábis medicinal, na realidade, conclui-se o mesmo que se tem verificado ao longo dos últimos dois anos: são mais os obstáculos que as soluções.

Mas será que todos os médicos pensam da mesma forma?…

Hematologista do IPO interessado em canabinóides

Apesar da resistência, o potencial dos canabinóides e, mais especificamente, do canabidiol, foi abordado por Nuno Miranda, hematologista na Unidade de Transplante de Medula do IPO Lisboa.

Nuno Miranda – que não foi, lamentavelmente, abordado na notícia do Público – vê o potencial dos canabinóides na área da imunologia.

Uma das imagens com informação que o hematologista Nuno Miranda levou ao debate sobre canabinóides

O hematologista do IPO levou dados que apoiam os canabinóides como alternativa terapêutica.

Num dos estudos que apresentou pode ler-se que os “agonistas dos receptores CB2 são uma nova classe de compostos imunossupressivos e anti-inflamatórios que podem ter benefícios excecionais, como em doenças autoimunes e situações de rejeição, nas quais é desejável parar a resposta imunológica do organismo sem efeitos psicoativos.”

A questão dos efeitos psicoativos está sempre presente quando o assunto é canábis e é motivo para receios de muitos profissionais de saúde e população em geral.

Como temos defendido – e sempre de acordo com a investigação – ao canabidiol (CBD) não são reconhecidos efeitos psicoativos, pelo que fica por explicar todo o receio de efeitos não existentes e associados apenas ao delta9-tetrahidrocanabinol (THC).

Nuno Miranda é da mesma opinião dos colegas quanto à necessidade de mais investigação e, já após o debate, afirmou-nos que está em processo um trabalho conjunto com investigadores israelitas.

Note-se que Israel, país de origem do Prof. Raphael Mechoulam, “pai” do sistema endocanabinóide e responsável por diversas descobertas em canabinóides, é dos países mais ativos em investigação de qualidade nesta área.

Apesar de muitos receios manifestados e dificuldades levantadas, há médicos para quem a informação e evidência científica existente é suficiente para abordar este género de terapêutica.

O uso de canábis medicinal é defendido por Laranja Pontes, Presidente do IPO do Porto, que, segundo noticiou o DN em 2018, diz que “pode ser provado que a canábis pode ter interesse na imunologia, numa altura em que nenhuma outra terapia vai além dos efeitos paliativos”. 

O Infarmed divulgou este ano uma restrita lista de condições de saúde em que permite tratamento com canabinóides.

 

Credits:
Fotos: Kelly Sykkema e Simone Van der Koelen, Unsplash
Fotos debate: e-canabidiol.com