“Há muitos oportunistas a pairar, muitos”. A afirmação é de Pauric Duffy, em entrevista à revista Exame, de maio 2019. O CEO da Holigen, um dos players a entrar em Portugal no mercado dos canabinóides, referia-se a alguns dos seus homólogos gigantes que estão a investir no campo da canábis medicinal.
Mas a afirmação de Pauric Duffy pode (e deve) aplicar-se, não apenas aos grandes nomes ligados às farmacêuticas, mas também a intervenientes de menores dimensões.
E é conveniente começar, desde já, a denunciar quem está a aproveitar-se de um mercado que, apesar da muita informação, ainda está imaturo e é olhado por muitos de forma suspeita, começando logo pelo estigma associado ao assunto canábis medicinal.
Canabidiol: com ou sem?
Esta necessária separação do trigo do joio foi feita pela jornalista Laura Ramos, na peça “Óleo de sementes de cânhamo vendido como canábis medicinal confunde consumidores“, ao denunciar produtos que usam o nome da planta cannabis como meio de auto-promoção.
São produtos que não contêm CBD ou outros canabinóides (se têm THC, será em quantidades residuais) e, consequentemente, não apresentam as vantagens pelas quais as pessoas os procuram.
São cápsulas de óleo de cânhamo, ou outras soluções com as mesmas vantagens de um óleo de cânhamo alimentar, que não têm os benefícios terapêuticos que têm sido validados por estudos científicos.
Como refere a autora, e bem, num contexto em que se fala tanto de legalização de canábis medicinal, CBD e canabinóides, estes produtos incutem ao consumidor menos informado a sensação de estar a adquirir óleo de cânhamo que lhe pode trazer benefícios associados aos canabinóides.
O nome Canabis (ou Cannabis) confunde pessoas que procuram óleo com CBD ou canábis medicinal e acaba por induzi-las em erro.
Por essa razão, e sabendo que os produtos são procurados com fins medicinais, é da responsabilidade dos operadores que os vendem informarem e esclarecerem o cliente ou paciente acerca das propriedades, efeitos e possíveis interações, seja suplemento natural, farmacêutico ou qualquer outro.
Sensibilidade e bom senso…
A notícia da jornalista da Cannapresss refere que chegou ao Observatório Português de Canábis Medicinal (OPCM) informação acerca de “pacientes que foram aconselhados em farmácias a utilizar estes suplementos alimentares em condições como a esclerose múltipla, dor crónica ou ansiedade”.
Qualquer estabelecimento a operar na área da saúde deve precaver-se quanto a manobras menos claras de quem pretende ficar com os louros dos outros.
Por isso, a questão que se levanta é esta: como é que ervanárias e dietéticas com anos de experiência em produtos naturais se deixam levar numa área em que são especializadas?!…
Continuam a existir estabelecimentos que vendem produtos como os abordados pelo artigo de Laura Ramos e sem terem qualquer informação acerca da percentagem de CBD. São produtos que defraudam as expetativas de pessoas com sérios problemas de saúde!
Em tempos em que se fala tanto de canábis medicinal e de canabidiol, já existe muita informação que não justifica profissionais do ramo não terem noção do que são canabinóides ou que não saibam distinguir entre CBD e THC.
Com “técnicos de saúde” mais centrados na venda do produto que no bem-estar das pessoas, a possibilidade de usufruir do potencial terapêutico do CBD passa ao lado de muita gente. O resultado é afastar alguns doentes e impedi-los de melhorar a sua qualidade de vida.
O jogo do empurra
Além de denunciar alguns produtos e a atitude irresponsável de quem os vende, o trabalho de Laura Ramos mostra-nos outro dado que, infelizmente, já não é novo. As autoridades implicadas continuam a remeter a responsabilidade para terceiros.
Segundo o artigo, o Infarmed afirmou que cabe à Direção Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV) a responsabilidade de legislar sobre suplementos alimentares. Na verdade, é o que está contemplado na lei.
Não têm competências técnicas – alguns não são, sequer, da área da saúde – para esclarecer os doentes.
A DGAV, por sua vez, referiu a possibilidade de estarmos perante uma situação de publicidade enganosa e, portanto, direcionou os holofotes para a Direcção Geral do Consumidor (DGC) e a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE).
Com tudo isto, o que se sabe é que há pessoas a serem enganadas porque existem farmácias, centros dietéticos e ervanárias a vender cápsulas de óleo de cânhamo alimentar a preços exorbitantes e sem hipóteses de apresentarem resultados que não sejam melhorar os níveis de ómega 3.
Como diz o médico neurologista Bruno Maia, referindo-se ao CBD num artigo de opinião no jornal Púbico, nem “o Infarmed, nem a Direção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV) se entendem sobre a natureza do produto…”
Lister Mais: o que é teu é nosso
Um dos produtos envolvidos nesta confusão junto do consumidor é o suplemento Canabis, da empresa Lister Mais. Na página do produto, além de não existir qualquer informação acerca da presença de canabidiol (CBD), a marca usa, indevidamente, informação publicada no site Celeiro Integral, copiada do artigo “CBD: quais os benefícios do óleo de cânhamo com canabidiol?”
O artigo original, com caráter informativo e baseado em trabalhos científicos, foi copiado diretamente para a ficha do produto Canabis, da Lister Mais. A empresa plagiou um trabalho de informação acerca de óleo com CBD para vender um produto que não se sabe se contém aquela substância.
(Nota: dias após publicação deste artigo, a informação foi retirada da página do produto)
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A contribuir para o clima de alguma incerteza e receio que rodeia a canábis medicinal, existem outros intervenientes que, invariavelmente, surgem em qualquer área de mercado onde possam lucrar facilmente.
São de escala menor àquela a que Pauric Duffy se refere mas não deixam de ser oportunistas e valer-se das vantagens terapêuticas do CBD. Para estes, vender CBD, aloe vera ou bolachas é a mesma coisa. Só que esquecem a gravidade em que se encontram as pessoas que, por infortúnio, as procuram. Muitas destas pessoas:
- Não têm competências técnicas – alguns não são, sequer, da área da saúde – para esclarecer os doentes.
- Não fazem a mínima ideia se o CBD interage com medicação pois também não conhecem as substâncias que a compõem.
- Não sabem avaliar o estado de evolução (positiva ou negativa) de uma pessoa doente nem os fatores envolvidos.
- Estão longe de compreender por que razão o CBD é adequado a determinados problemas.
Estes atores aproveitam-se de pessoas com doenças graves que, não poucas vezes, não têm informação credível de um profissional de saúde, são iludidas com as parangonas de abertura de uma loja, estão confusas com a publicidade de televisão e, na maior parte das ocasiões, nem sabem que perguntas devem fazer ou o que procurar.
O objetivo é lucrar facilmente à custa de pessoas doentes, que necessitam de informação e orientação profissional. Dois exemplos desta “corrida ao ouro verde” são a foto de abertura e a mensagem da imagem à direita, ambas retiradas de posts do Facebook de marcas diferentes!
Mercado e consumidores merecem mais consideração
Sejam marcas, empresas, conhecedores de marketing, é importante denunciar comportamentos que:
- prejudicam quem precisa de ajuda. Na esmagadora maioria das vezes, quem procura CBD tem graves problemas de saúde e necessita de tudo menos de quem se aproveite da situação.
- possam colocar em causa a imagem de uma substância e de um produto que tem sido alvo de pesquisa e estudos há diversos anos e cujos benefícios são apoiados pela Organização Mundial de Saúde.
As atitudes dos oportunistas causam cenários de confusão, de falta de raciocínio lógico e de medo despropositado.