Na perspectiva científica, 2015 foi um ano particularmente agitado para Konstantinos Farsalinos, do Centro de Cardio-cirurgia Onassis, em Atenas, com publicações altamente criticadas por colegas devido às metodologias usadas, rectificações, comentários e contra-respostas (1) (2) (3) (4) (5) (6).

Farsalinos publica essencialmente trabalhos acerca de cannabis e canabinóides, vapeadores e cigarros electrónicos.

Os desentendimentos entre estes colegas de profissão rodeiam sempre os mesmos assuntos, que merecem a nossa atenção:

  • metodologia científica
  • toxicidade
  • biodisponibilidade
  • bom e mau uso de canabinóides
  • dispositivos de vapor

Porém, no mesmo ano, um estudo (7) conjunto de cientistas de várias entidades suíças esclareceu que “temperaturas excessivas podem danificar as bobinas de aquecimento [do cigarro electrónico] e induzir a formação de sub-produtos tóxicos…” Segundo aquele estudo, a partir de 5V este efeito é evidente também no característico e desagradável sabor a queimado que o líquido vaporizado adquire.

mesmo no pior cenário, o fumo do cigarro (de cannabis ou tabaco) é sempre muito mais nocivo que o vapor do cigarro electrónico

Os mesmos resultados concluíram que 3.3V demonstram capacidade de vaporização sem toxicidade, nomeadamente sem aldeídos. Estes resultam do aquecimento e degradação do propilenoglicol e glicerina (excipientes comuns em e-liquids) quando na presença de oxigénio.

Relativamente ao “fumador passivo”, os investigadores assinalam um risco muito modesto de exposição devido a diversos factores. Frisam o tempo de meia-vida, no ar, do vapor exalado: 11 segundos. A título comparativo, o fumo de tabaco tem uma meia-vida de 20 minutos.

O tempo de meia-vida do fumo do tabaco, no ar, é de 20 min. O do CBD é de 11 segundos

Em 2017, Meehan-Atrash et al, do departamento de química da Universidade Estadual de Portland, EUA, vincam a importância da degradação dos terpenos sob aquecimento.

Naturalmente presentes no óleo de CBD de largo espectro, ou acrescentados como aditivos aos líquidos para cigarros electrónicos, foram analisados: myrcene, limonene, linalool, pinene, caryophyllene e humulene.

Devido à sua abundância, utilizou-se myrcene como “terpeno-padrão”. Sob aquecimento, identificou-se a formação de metacroleína – conhecido irritante pulmonar e carcinogénio – e benzeno, provavelmente o maior carcinogénio conhecido presente na poluição aérea.

Os excipientes mais comuns em líquidos para cigarros electrónicos – propilenoglicol e glicerina – são seguramente nocivos sob aquecimento excessivo.

Em caso de dúvida, até mesmo os pessimistas autores deste estudo britânico (8) , Blundell et al, esclarecem que, mesmo no pior cenário, o fumo do cigarro (de cannabis ou tabaco) é sempre muito mais nocivo que o vapor do cigarro electrónico, uma vez que, cumulativo aos sub-produtos resultantes do aquecimento, acrescem os sub-produtos da combustão por si só (amoníaco, cianeto de hidrogénio, nitrosaminas, entre outros), bem como os reconhecidos carcinogénios benzopireno e benzantraceno.

Administração intrapulmonar de CBD

Em 2014 , num estudo (9) conjunto entre cientistas da Universidade Wollongong, Australia, e da Universidade holandesa de Leiden, é publicado um primeiro protocolo de administração intrapulmonar (vaporização) de canabinóides.

a administração intrapulmonar de canabinóides é observada como um modo eficaz de terapia…

Ao longo do trabalho é citado, várias vezes, o basilar estudo de 2003 (10), sobre farmacocinética e farmacodinâmica de canabinóides, da autoria de Franjo Grotenhermen, do Nova-Institut, na Alemanha.

A premissa do estudo, segundo os autores, é a de que “a administração oral de canabinóides é de absorção lenta e errática, com biodisponibilidade limitada e altamente variável “. Os resultados vieram apontar que “a administração intrapulmonar de canabinóides é observada como um modo eficaz de terapia, uma vez que tem resultados rápidos e uma elevada biodisponibilidade sistémica”.

Com utilização de um dispositivo médico (Volcano Digit), o trabalho dos investigadores aponta que, em temperaturas entre 210º C e 230º C e com formatos sólidos (cristais) de CBD, se disponibilizam elevadas quantidades de canabidiol para absorção: cerca de 25% em 100mg de cristais.

No entanto, esta taxa de absorção sobe até 97,5% em 4mg, com variabilidade de resultados em doses elevadas (acima de 200mg), mas resultados repetidamente estáveis em doses abaixo daquela dosagem.

Segundo os autores, “a vaporização providencia um sistema seguro e eficiente para administração de cannabis e compostos canabinóides, evitando as toxinas respiratórias inerentes ao fumo.

O que a ciência dos últimos cinco anos parece apontar é:

  1. Enquanto dispositivo, o cigarro electrónico, se mal utilizado, pode ser prejudicial.
  2. Os excipientes mais comuns em líquidos para cigarros electrónicos – propilenoglicol e glicerina – são seguramente nocivos sob aquecimento excessivo.
  3. Os terpenos, presentes no óleo de CBD de largo espectro ou usados como aditivos para manipular o sabor dos líquidos para cigarros eletrónicos, são, seguramente, nocivos sob aquecimento excessivo.
  4. CBD purificado será completamente seguro, sendo a vaporização (enquanto método de administração) mais eficiente do que a toma oral.

 

Fontes/estudos
1. Nitzkin JL, Farsalinos K, Siegel M. More on hidden formaldehyde in e-cigarette aerosols. N Engl J Med. 2015 Apr 16;372(16):1575. doi: 10.1056/NEJMc1502242. No abstract available. PubMed [citation] PMID: 25875274
2. Hubbs AF, Cummings KJ, McKernan LT, Dankovic DA, Park RM, Kreiss K. Comment on Farsalinos et al., “Evaluation of Electronic Cigarette Liquids and Aerosol for the Presence of Selected Inhalation Toxins”. Nicotine Tob Res. 2015
Oct;17(10):1288-9. doi: 10.1093/ntr/ntu338. Epub 2015 Jan 12. No abstract available. PubMed [citation] PMID: 25586777
3. Farsalinos KE, Voudris V, Poulas K. E-cigarettes generate high levels of aldehydes only in ‘dry puff’ conditions. Addiction. 2015 Aug;110(8):1352-6. doi: 10.1111/add.12942. Epub 2015 May 20. PubMed [citation] PMID: 25996087
4. Farsalinos K, Voudris V, Poulas K. Response to Shihadeh et al. (2015): E-cigarettes generate high levels of aldehydes only in ‘dry puff’ conditions. Addiction. 2015 Nov;110(11):1862-4. doi: 10.1111/add.13078. Epub 2015 Sep 23. No abstract available. PubMed [citation] PMID: 26395274
5. Shihadeh A, Talih S, Eissenberg T. Commentary on Farsalinos et al. (2015): E-cigarettes generate high levels of aldehydes only in ‘dry puff’ conditions. Addiction. 2015 Nov;110(11):1861-2. doi: 10.1111/add.13066. Epub 2015 Sep 23. No
abstract available. PubMed [citation] PMID: 26395030, PMCID: PMC4924805
6. Bates CD, Farsalinos KE. Research letter on e-cigarette cancer risk was so misleading it should be retracted. Addiction. 2015 Oct;110(10):1686-7. doi: 10.1111/add.13018. No abstract available. PubMed [citation] PMID: 26350716
7. Giroud C, de Cesare M, Berthet A, Varlet V, Concha-Lozano N, Favrat B. E-Cigarettes: A Review of New Trends in Cannabis Use. Int J Environ Res Public Health. 2015 Aug 21;12(8):9988-10008. doi: 10.3390/ijerph120809988. Review.
PubMed [citation] PMID: 26308021, PMCID: PMC4555324
8. Blundell MS, Dargan PI, Wood DM. The dark cloud of recreational drugs and vaping. QJM. 2018 Mar 1;111(3):145-148. doi: 10.1093/qjmed/hcx049. Review. PubMed [citation] PMID: 28339800
9. A protocol for the delivery of cannabidiol (CBD) and combined CBD and ∆9-tetrahydrocannabinol (THC) by vaporisation.
Solowij N, Broyd SJ, van Hell HH, Hazekamp A.BMC Pharmacology & Toxicology. 2014 Oct 16; 15: 58
PMC [article] PMCID: PMC4274767, PMID: 25319497, DOI: 10.1186/2050-6511-15-58
10. Grotenhermen F. Pharmacokinetics and pharmacodynamics of cannabinoids. ClinPharmacokinet. 2003;42(4):327-60. Review. PubMed [citation] PMID: 12648025